quarta-feira, 18 de julho de 2012

PAJAMAS!




   Diário de bordo, 19 de Julho 2012.

 "São 01:33 da manhã, meus pés continuam gelados.. assim como os meus pensamentos.
Hoje faz 7 meses que eu estou dentro deste buraco, cada vez mais difícil de sair e mais escuro.
Hoje sinto que não sairei da cama, ficarei aqui zapeando canais e rezando para que um raio caia na minha cabeça..
Tá... deleta essa parte do raio.. foi só uma bobagenzinha aleatória.
Rasguei outra foto, ainda não sei porque continuo fazendo isso, mas quando rasgo a foto, rasgo você, então momentaneamente me conforto.
Minha casa continua vazia, acho que nem o Bartolomeu me aguenta mais.. Minha mãe veio me visitar.. Outra vez tive que ouvir ela gritar que isso não é vida, e que preciso de tratamento.
Sabe eu fico pensando..
Porquê se importar tanto? Eu fico quietinha aqui no meu esconderijo, não incomodo ninguém.. Eu quase não boto o pé pra fora da porta, ainda hoje quando fui colocar o lixo na rua encontrei com a minha vizinha do 202 e ouvi ela cochichar com o porteiro: "Ela ainda mora aqui?"
... Hehe... 
Eu quase não existo mais, mas ainda assim minha mãe continua a gritar histericamente para eu "voltar a viver".
Isso soa quase que como uma ameaça, mas, e se eu não quiser?
Tô tão bem assim."

Em uma madrugada fria, enquanto o gato branco, gordo e peludo chamado carinhosamente de Bart dormia enrolado no edredom, Laila congelava os dedos ao escrever em seu velho diário.
Como ela mesmo disse, esta não era uma das melhores noites.. Já são 210 dias de quase total isolamento, o "quase" porque ela ainda se obrigava à estudar, trabalhar e uma vez ou outra socializar em alguma festa com os amigos antigos. Coisa que ela fazia totalmente obrigada, pois sabia que se não o fizesse, teria que aguentar sua mãe berrar igual ao dia de hoje..
Os dias têm se arrastado vagarosamente, como um caracol que atravessa uma longa ponte... e mesmo assim ela vive intensamente dentro de seu apartamento.
Fazia 2 meses que ela tinha trancado sua matrícula na faculdade fazendo com que suas saídas de dentro de seu exílio paradoxal tenha se obtido somente à trabalho.

Intro:

Me chamo Laila, tenho 20 anos.
Sou universitária de um curso em potencial. Em potencial crise e polêmica.
Moro sozinha, quero dizer, nem tanto.. Tenho um gato, gordo e preguiçoso chamado Bartolomeu, apelidado de Bart que sempre se esfrega em meus pés quando seu pratinho de comida encontra-se vazio.
Venho de uma família tradicionalmente, judaica, onde meus pais acreditam que irei achar o amor da minha vida dentro daquela sinagoga geriátrica. 
Em 2008 o conheci. 
Foi tudo muito rápido e intenso mas da minha parte verdadeiro.
E hoje acho que por ter sido tão intenso, acabou de forma intensa e por isso estou aqui, brincando de torturar a alma enquanto tento esquecer todas essas memórias.
Eu nunca julguei ninguém pela forma de amar, mas hoje me condeno e me julgo por ainda sofrer por algo que não existe mais.. e que nunca mais irá existir.
Vou lhes- contar minha história, do início ao fim, o que pode demorar um pouco.
Mas acreditem, me sobra tempo.. paciência talvez não, mas dessa vez eu me esforçarei.
Hoje fez um dia chuvoso e frio, eu acordei tarde, na realidade acordei com a minha mãe derrubando minha porta.
Esqueci que hoje ela viria tomar café comigo e acabei vacilando.. Quando ela chegou o apartamento estava do avesso, eu ainda estava, estou, de pijamas.
Geladeira vazia e uma cara amassada, inchada de tanto chorar.
Motivos os quais ela precisava para iniciar sua guerra fria e seus gritos histéricos.
Minha mãe gritou por uma tarde inteira, e só parou quando eu resolvi fugir para colocar o lixo para fora. 
Nisso ouvi minha vizinha cochichar com o porteiro, espantada por me ver.. foi engraçado. Me senti um fantasma.. acho que na realidade a meses venho lutando para me tornar isso, fantasma de minhas próprias lembranças e história.

Eu costumava odiar dias chuvosos e o frio, mas hoje em dia o que mais me faz feliz é um dia assim.
Com o dia de hoje não vi problema nenhum em ficar enrolada nas cobertas, admirando a barriga do Bart subir e descer enquanto o mesmo desfruta de uma soneca preguiçosa e demorada, de vez em quando ele abre um olho pra se certificar de que eu ainda estou na cama, boceja um grande miado, ronrona para mim e voltava a dormir. Passei uma tarde assim, totalmente desligada de tudo, até mesmo das lembranças que me remoem.
Vejam, minha história não é nenhum caso de "Vaticano" onde eu preciso de toda a misericórdia e atenção papal.
Eu só quero compartilhar com vocês os meus erros.
Acredito que em um futuro, bem distante ainda, vou poder ler minha história nessas folhas que estarão amareladas e rir.
Rir é algo que não faço a muito tempo..
Mas me sinto feliz por estar aqui, inteira o bastante para poder abrir meu coração e confessar todos os meus crimes.
Primeiro preciso admitir, sou limítrofe.
E isso faz com que eu assuma várias identidades, faz com que eu me machuque e faz com que acabe criando e vivendo em uma realidade só minha.
Em tempos de crise é complicado diferenciar o que é real e o que eu quero que seja real.
Me chamo Laila, mas posso ser Lívia, Leandra ou Luana.
Não temo por elas, temo por mim que sou dominada por elas.
Nunca em 20 anos de tratamento me coloquei em risco, desde Dezembro eu corro esse risco, pois decidi parar com os remédios.
Tenho vivido dias intensos, perigosos, cheios de emoção mas ainda assim, tristes.

Eu vou contar tudo."


E assim ela começou a escrever em um outro livro velho, enquanto suas lágrimas molhavam cantos de páginas em branco, o gato adormecido ressonava em cima da cama despreocupadamente com sua dona que cada vez mais afundava em seu querido abismo.
A noite voou, e entre uma xícara de café e outra, ela acabou adormecendo por cima de seu grande livro. Sonhou com o primeiro dia em que conheceu ele e como todos os sonhos que tinha, este também era real.Tão real que quando ela acordou correu para olhar o celular e ver se nas chamadas perdidas, discadas ou recebidas não se encontrava o número dele.
Todas as noites Laila sonhava com ele, e no fim do sonho, choramingava a mesma coisa
"Eu não quero acordar Dani.." e antes mesmo de terminar o nome de seu amado, ela acordava, tensa, corria ao telefone. Em algumas vezes chegou a discar o número dele, outras ele chegou a atender nisso ela desligava e se engasgava nos soluços melancólicos de lágrimas que pulavam de seus olhos.
Essa rotina de sonhos e fraquezas telefonísticas se tornou tão comum, que ela acabou desligando o telefone e o guardando dentro de uma caixa embaixo da cama, e o celular estava sempre com a bateria escondida dentro de uma gaveta.

Ela estava exausta.
Decidiu se juntar a Bartolomeu naquele sono despreocupado.

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