quinta-feira, 19 de julho de 2012

FERRUGEM...

"É sempre gosto de ferrugem em dias assim."

 Hoje não parece ser um dia muito bom para nossa querida menina que se encontra em mais um dia de profunda tristeza.

Eram 14:53h de uma tarde vagarosa de quinta-feira, afogada em cobertas ,escondida em sua cama comendo um brigadeiro de colher enquanto o gato miava na volta da cama e a televisão transmitia algum programa de fofoca monótono quando ela se lembrou do seu primeiro dia de trabalho no seu último emprego.
A lembrança veio quando a apresentadora do programa implicou no assunto de amores não correspondidos e nos sacrifícios absurdos feitos quando amamos cegamente, rapidamente Laila lembrou do mês de Dezembro de 2011.

Eram 14:00h quando o telefone de sua casa tocou, ela ainda estava dormindo mas quando ouviu o telefone tocar correu para atender assustada com o barulho que aquela coisa velha fazia quando chamava. Para sua surpresa era sua antiga chefe lhe chamando para trabalhar. 

- "Droga!" Pensou ela.
- "Tudo bem, eu vou comer terminar de almoçar e já vou indo." Respondeu.

Uma grande mentira.
Geladeira vazia, armários que colecionavam teias de aranha. 
A situação era de pobreza mesmo, ela estava pela primeira vez passando fome quando milagrosamente este emprego apareceu.
Entrou no quarto, ele ainda dormia mas ela não quis acordá-lo, deu um beijo em sua testa, afagou seus cabelos negros e saiu pé por pé para não acordá-lo.
Antes de sair pegou um pedaço de papel e escreveu um bilhete:

"Desculpa não estar ao seu lado ao acordar, mas me chamaram para trabalhar. Prometo voltar com o jantar. Eu amo você D."

Deixou o pedaço de papel em cima da mesinha de entrada da sala, entrou na cozinha para beber um copo de água então lembrou-se de colocar uma pitada de sal em baixo da língua para não passar mal mais tarde.
Saiu apressada, para o "novo" trabalho, chegando lá eram tantas informações e instruções que ela já não sabia se sorria ou se chorava.
As horas passaram rápido, o intervalo chegou e ela correu para casa.
Ao chegar no prédio enquanto girava a chave na porta ela sentiu sua consciência pesar ao lembrar que ele também estaria com fome, e o fato de que ela não tinha nada para nenhum dos dois comer fez com que ela quisesse sentar e chorar pela situação em que se encontrava, mas não, ela não podia deixar esta situação prosseguir, ela tinha que agir rápido.
Tirou a chave da porta, pegou o elevador até o quarto andar e bateu no 403.
Lá morava uma amiga antiga de sua avó que praticamente tinha visto ela nascer e acompanhara todo seu crescimento, senhora Dalma. 
Uma senhora muito doce e gentil que insistia em chamar ela de "lazinha".
Ao abrir a porta dona Dalma esboçou um largo sorriso ao vê-la, as duas se abraçaram e conversaram ali na porta mesmo. Logo a gentil senhora percebeu que o olhar apreensivo dela escondia algo.

- "O que houve Lazinha?" Perguntou a velhinha, um pouco aflita.
- "Nada dona Dalma.." Responde Laila, mas antes que dona Dalma pudesse dar réplica em sua pergunta, o rosto de Laila avermelhou-se e as lágrimas logo vieram.
- "Acredito que essas não sejam lágrimas de alegria minha querida." Com um tom de voz piedoso dona Dalma estendeu seus braços novamente e pediu um esclarecimento.

Então Laila foi obrigada a entrar e abrir seu coração para sua doce amiga, a gentil senhora se comoveu com a história e tirou da carteira uma quantia em dinheiro para dar à ela, depois de muita insistência ela aceitou e de lá saiu aliviada, porque pelo menos a fome iria embora.
Faltando menos de 20 minutos para voltar ao trabalho, ela correu ao supermercado, pegou logo as coisas de que precisava. Antes de ir embora passou em uma lojinha de chocolates e comprou um mimo para ele, biscoitos amanteigados de chocolate. Poderia ser bobagem, um gasto desnecessário, mas com certeza isso faria seu amor sorrir e ela iria adorar ver isso acontecer.
Chegando em casa ele se encontrava no computador, a recepção foi fria mas ela sabia que a fome nunca foi motivo de deixar pessoas bem-humoradas, então correu a aprontar algo para comerem, e ao chegar no quarto com o café ela se deparou com um amor não tão alegre, nem feliz e nem receptivo.

- "Oi amor.." Disse ela com a voz um pouco tremendo.
- "Oi." Respondeu ele sem nem ao menos olhar para ela.
- "O que houve?" Perguntou ela com medo da resposta.
- "Vai começar com o mesmo teatrinho? Tu não tá vendo a nossa situação? Olha a bagunça que tá essa casa. Olha a bagunça que tá a minha vida. É sempre "o que eu fiz", porque É SEMPRE TU Laila. Eu não aguento mais isso." Trovejou ele
- "Me desculpa Danilo." Gemeu ela.

Foi em direção à ele para ganhar um beijo ou um abraço, mas obviamente foi rejeitada.
Largou a bandeja com o café em cima da cama e saiu para voltar ao trabalho, no meio do caminho engoliu o choro e as lágrimas. Ao chegar lá foi direto ao banheiro, lavou o rosto e apertou os olhos com força e o choro logo foi embora.
Passou o resto do dia trabalhando e no final do expediente ele foi buscá-la.
No meio do caminho conversaram como se nada tivesse acontecido, nenhuma desculpa foi pedida da parte dele. Ela ainda estava com medo de que ao chegar em casa a briga se estendesse e então resolveu agir como se nada realmente tivesse acontecido.
E essa era a lembrança do seu primeiro dia de trabalho. 

Essa lembrança se tornara dolorosa.
Danilo nunca estava contente com nada.
Fez com que Laila se tornasse uma máquina de pedir desculpas enquanto ele não percebia que a maioria dos erros cometidos por ela eram por falta de atenção ou carinho. 
Ela estava errada em ter deixado a casa bagunçada, ela estava errada em continuar ao lado dele, ela estava errada em não ter ouvido ele.
Ela estava errada. Sempre.
Laila se encolheu na cama, murmurou algumas palavras e o choro logo veio.
A culpa ainda consumia bastante sua sanidade.
Ficou na cama por mais umas horas, até que a noite chegou, então ela resolveu sair para caminhar pelo seu velho bairro, coisa que não fazia à meses..
As ruas continuavam as mesmas, mas os moradores tinham mudado praticamente todos.
Ela sabia que era só olhar para a esquina que veria o apartamento dele, e se caminhasse mais alguns passos poderia ver a janela com a luz acesa e quem sabe ele mesmo, lá, sozinho, e sem ela.

- "Tenho que voltar." Pensou ela.

Laila voltou para casa. Ao chegar, Bartolomeu correu para acarinhar suas pernas e logo ela viu que o pratinho do felino se encontrava vazio. Depois de alimentar Bart, ela correu para pegar seu velho livro e começou a delatar:

 "D.D.B. 20-07 03:07 am: 
 Hoje não foi um dia fácil.
Lembrei de coisas que nem sabia que conseguia lembrar e acabei ficando um pouco relapsa, isso acabou me deixando frágil. 
Nenhuma foto foi rasgada, mas pelo menos eu sei por onde vou começar a contar minha história. 
Hoje eu consegui não passar em frente ao prédio dele, sempre que passo é uma tortura.
Evitar olhar pra cima, evitar chorar, evitar isso, evitar aquilo, evitar.
No momento eu só quero evitar tudo. 
O final de semana está chegando, acho que é nesse que vou começar a escrever minha história. 
Bartolomeu dorme, despreocupado, enrolado nas minhas cobertas. 
Minha boca está seca, meus pés estão formigando. Estou exausta, mais uma vez. 
Hoje não foi um dia bom, e em dias assim, por mais que salive.. é sempre um gosto de ferrugem.

É sempre um gosto ruim nos dias assim."

Então, com as meias escapando de seus pés, ela engatinhou para debaixo das cobertas e com um suspiro pesado decidiu esquecer mais essa lembrança ruim. 


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