terça-feira, 31 de julho de 2012

POSSIBILIDADES PARTE III


"Não quero mais amar à ninguém.
Não fui feliz, o destino não quis.
O meu primeiro amor morreu
Como a flor ainda em botão
Deixando espinhos que hoje
Dilaceram o meu coração."

Ainda estamos no verão de 2008, e ainda nos encontramos com nossa garota e seu coração leviano. 
Era um entardecer, e já se completava 3 semanas desde a partida de Gabriel, além disso eram 3 semanas de que ele não mandava notícias, não ligava e não respondia as mensagens dela.
O tempo simplesmente não passava mais. S
entada na beira da cama com os pés levemente recostados no tapete de seu quarto, Laila oscilava seus pensamentos entre ele estar recebendo suas mensagens e não querer respondê-las ou ele simplesmente não estar recebendo elas.
O que por acaso era meio difícil, já que ela mandou mensagens de dois números diferentes de telefones e os dois deram como mensagens recebidas e o mais importante, lidas.
Já fazia alguns dias que algo incomodava dentro dela, ela nunca tinha ficado tanto tempo sem falar com seu melhor amigo como ultimamente, mesmo ele não sendo o único melhor amigo dela, ele era o essencial.
Falando em melhores amigos, Laila tinha um melhor amigo que desde 2006 completava junto com ela os dias assim, de angústia.
Ele se chamava Samuel, tinha 26 anos, morava em uma cidade próxima à dela, mas nem tanto... ficavam à 5h de distância um do outro, mas sempre nos verões se visitavam.
Na realidade Laila não o considerava amigo, mas sim um irmão distante.
Eles sempre se ajudaram em partes difíceis e esse personagem em nossa história inteira terá uma importância mais que fundamental.
Então ela ainda inquieta levantou-se e foi chatear sua avó, por alguns segundos ela quis simplesmente sair porta a fora e voltar somente quando seus pais chegassem de viagem mas pensou por alguns segundos e voltou ao seu quarto.
Embaixo da cama ela guardava caixas de todos os tamanhos, de todos os modelos cada uma contendo dentro de si uma curiosidade maior que a outra.
Dentro de uma caixa vermelha com um X preto na tampa ela escondia algumas cartas das quais se comunicava com Sam, em dias de muita angústia ela gostava de reler elas e procurar frases ou palavras que pudessem consolá-la naquele momento.
Dito e feito, achou uma carta na qual dizia "você não pode controlar o tempo." e realmente era aquilo que ela precisava ler para saber de que mais cedo ou mais tarde teria uma resposta para sua inquietude.
Todos os dias quando escurecia ela gostava de ir no fliperama que ficava perto de sua casa para gastar algumas fichas e ver pessoas, em uma noite serena de Janeiro ela resolveu ir mais cedo. 
Calçou seu velho all-star, colocou os fones no ouvido e caminho em rumo ao flipper, enquanto caminhava colocou a mão no bolso de sua calça e curiosamente lá estava o pedaço do pingente que tinha achado no dia em que ele tinha ido viajar. Ela achou um pouco esquisito, na realidade nem se lembrava mais daquilo, guardou de novo no bolso e continuo a caminhar.
Pensou em como seria estranho se por acaso ela pudesse achar o outro pedaço daquele coração, mas como todo pensamento bobo ela logo esqueceu.
Ao chegar no flipper ela se sentou na calçada da frente, onde do outro lado se encontravam meninas de sua idade com shorts e saias minúsculos, com garrafas de bebida nas mãos e gritando para chamar mais ainda a atenção... ela sentia náusea ao olhar tudo aquilo mas, de repente a visão mudou, tudo ficou lento e o som parou. Dentro do fliperama estava Gabriel olhando para ela com um sorriso disfarçado por entre os lábios. Laila não pensou uma segunda vez levantou-se, correu e desmontou ele em um abraço.
Por um segundo eles ficaram se olhando sem nada a dizer a saudade era tanta que nem as palavras queriam incomodá-los naquele momento.
Logo riram por parecerem tão bobos no meio daquele lugar cheio de pessoas estranhas mas tão conhecidas quanto eles.
Foi passar a mão no rosto dele, quando Gabriel corajosamente afastou a mão dela de seu rosto e falou:

- Precisamos conversar Lalli.
- Eu sei, mas não pode ser depois?
- Não... O que eu tenho para te dizer precisa ser dito agora.
- Mas Gabri... Para um pouco, eu tava com tan...
- Eu to namorando.
- !!? Sem reação o rosto dela emudeceu e nada mais saiu de sua boca.
- Então, eu acabei resolvendo a minha vida enquanto estive fora, longe de você eu pude pensar um pouco melhor e,...
- Longe de mim você pensou melhor? Então é um belo argumento para explicar pra sua MELHOR AMIGA de que longe se está melhor não?
- Não foi isso o que eu quis dizer, eu apenas quis te dizer que eu fiquei sozinho e acabei pensando nas coisas que eu deveria, longe de você ou não.
- Mas e as minhas mensagens? E as minhas ligações? Eu pensei em você o tempo todo, a cada dia em que você esteve lá.
- Eu li todas as mensagens, eu recusei todas as suas ligações. Laila você precisa tentar imaginar o quão difícil foi pra mim fazer isso com você, com a gente.
- Difícil? Gabriel, difícil? Além de mentiroso agora você está um pouco mais sarcástico não é?
- Laila, tenta entender!! Eu saí daqui com uma bomba relógio na cabeça, minha melhor amiga apaixonada por mim, o que poderia ser pior?

No mesmo segundo em que terminou de completar esta frase, Gabriel percebeu o deslize que cometeu em dizer que era um erro Laila se apaixonar por ele e pior que isso, colocar a culpa nela.
O rosto dela avermelhou-se, Laila deu às costas e caminhou de forma agressiva para fora do flipper.
Gabriel ficou parado observando ela ir uns segundos pensando em como poderia redimir-se, e chegou a conclusão de que ficar ali parado pensando não era uma das alternativas, então ele saiu apressado procurando por qual lado ela poderia ter ido. Olhou mais a fundo, e no final da rua via-se os cabelos loiro-arroxeados dobrarem à esquina.
Correu, o fôlego não sentiu perder pois, era mais importante alcançá-la do que pensar em qualquer coisa que pudesse ser um obstáculo naquele momento.
Com tudo Laila tinha uma característica muito própria quando magoada, ela calava-se e nada no mundo a faria falar a menos que ela quisesse.

- Espera, para!!
 Laila parou de costas para Gabriel.
- Desculpa, eu não quis dizer aquilo. Mas saiu sem querer.
 Laila quis se virar, mas para socar a cara dele.
- Vira pra mim por favor.
 Laila virou-se.
- Não chora por favor. Mas essa é a realidade, eu não posso mentir pra ti, nem te enganar tu é a minha melhor amiga poxa.
 Então ela sentiu um embrulho no estômago e a vontade de bater em seu amigo sumiu, no lugar dela veio uma vontade de nunca ter conhecido ele, pois ela sabia naquele momento que a amizade deles tinha acabado.
Ela sabia que ao sair dali, ele continuaria sendo Gabriel mas o Gabriel com namorada e ela agora em segundo plano, a amiga que sempre enxugou suas lágrimas.
- FALA ALGUMA COISA RAIOS!! Gritou Gabriel irritando-se com o silêncio intermitente.
- Eu te desculpo, se é isso o que está esperando ouvir. Mas agora eu vou embora.

E assim ela deu às costas e saiu em passos vagarosos que pesavam mais que sua própria carcaça.
Ela esperou ele a chamar ou pedir para não ir, mas isso não aconteceu.
Então continuou caminhando, olhar para trás e voltar era algo sem cogitação.
Laila foi andando sem pensar em nada, ela não queria chegar em casa com o rosto lavado de lágrimas, mas enquanto caminhava ela foi sentindo um aperto cada vez mais forte em seu peito.
Sentou-se na calçada enquanto várias pessoas passavam, algumas perguntavam se ela estava bem outras olhavam desconfiadas, ela quis ficar ali até o dia amanhecer sem pensar em nada e ver se tudo aquilo não tinha sido apenas um mal entendido.
Voltou à caminhar, na volta para casa ela continuava sem pensar, caminhava encolhida com os braços cruzados à frente de seu peito, ao chegar em casa murmurou algo para sua avó e se trancou em seu quarto.
O desespero era tão grande que em frações de segundo ela trancou a porta, ligou o som no volume mais alto, abafou um travesseiro em seu rosto e chorou, chorou até a barriga doer, quando cansada pegou um estilete e cortou seus braços como sempre fazia quando as coisas saiam um pouco do controle.
Quando mais calma pegou o celular e ligou para o seu melhor amigo, e ao pensar nisso, algumas outras lágrimas vieram.

- Olá...!
- Samm.

Com a voz pesada ela começou a contar detalhe por detalhe do acontecido.

continua...

terça-feira, 24 de julho de 2012

POSSIBILIDADES PARTE II

.Nota Pública: Prezados Senhores, antes de continuar do ponto onde paramos nossa história, gostaria de deixar claro aqui o meu desapontamento para com alguns leitores do blog. Eu nunca falei aceitação social, da parte posterior e geral. Eu nunca quis que vocês gostassem da minha história, como disse antes, nós não nascemos para agradar à todos, e eu sempre deixei claro que iria até o meu limite para contar ela por inteira e até o final. Pois bem, chegou ao meu conhecimento está semana de quê, alguns leitores, usaram de estratégia ofensiva para publicar este canal. Gostaria de pedir encarecidamente que os senhores que despuseram de tal pretensão  que se mantenham longe deste espaço, isto aqui foi feito para compartilhar um conto  AUTÊNTICO. Gostaria de deixar claro também, que eu compartilho este canal com os meus amigos e ao compartilhar não obrigo ninguém a ler, eu não me importo com opinião alheia contanto que ela não agrida o meu trabalho. 
Livre arbítrio ainda prevalece nos dias de hoje.
Att Larissa.



"Pode vir me contar das coisas que
Pensei conhecer em ti
Não sei bem se foi eu que me enganei
Ou foi você que me iludiu
Pois, neste minuto sei tão bem do espaço que ocupo
Meu amor... tudo têm o seu lugar."


Ainda situados ainda no verão de 2008 onde a nossa garota está dividida entre contar a verdade para seu melhor amigo, sobre sua paixão platônica, ou sofrer calada até essa febre passar.
Em um entardecer chuvoso de segunda-feira Laila estava sentada, emburrada e com as meias ainda encardidas no último degrau da escada de sua casa.
Enquanto seus pais faziam um tsunami de gritos e reclamações, seu beiço tendia a ficar maior quanto mais eles insistiam em levá-la na viagem de "férias".
O motivo pelo qual ela odiava essas viagens de em família era que toda vez que ela e sua ima ficavam mais do que 3h juntas dentro do carro sempre se inventava um novo motivo para odiar ainda mais o fato de ser filha dela. 
Laila e Dona Simone tinham uma relação de cão e gato.
Elas se amavam, mas simplesmente não davam certo juntas.
Aba, Seu Lionel, sempre soube disso, por isso nunca obrigava mãe e filha ficarem juntas além do necessário. 
Im desceu enfurecida as escadas, parou em frente à ela, e trovejou as seguintes palavras:

- Você fica, mas, sua avó vai ficar aqui cuidando de você.

Laila quis se enforcar ali mesmo.
Pior do que ter que viajar com ima, seria passar um verão inteiro sendo obrigada a tricotar, ter que chorar pra poder sair de casa depois das 19h, assistir televisão todo domingo e ter que fingir gostar disso... sem falar no fato de que bubbee tinha um rato-cahorro que o-di-a-va Laila. 
Por 1 segundo ela quis correr atrás de sua ima e implorar pra ir junto, mas pensou duas vezes, e persuadir sua avó de 76 anos era mais fácil. 
Então seus pais partiram pela manhã e bubbee chegou com seu rato-cachorro barulhento, ela correu para trancar a porta do quarto dormiu até 12:16h quando sua avó batia repetidamente na porta a chamando:

- Vêm filhinha, aruchat tzohorayim.

Laila amava sua vovó mais que tudo, mas tinha um dom sobrenatural para acordar mau-humorada e vendo aquele rato-cachorro rosnar para suas pantufas enquanto ela tentava almoçar em paz, fazia com que ela tivesse vontade de chutá-lo pra longe. Sentou na mesa com bubbee e conversaram sobre tudo, de forma abreviada e rápida. Assim que terminara ela se recolheu para seu quarto, pegou um gibi e lembrou de Gabri, o dia continuava nublado com uma provável chuva à noite.
Quando bateu 21h ela decidiu ligar para seu amigo momentaneamente "sumido".

- Alô?
- Oi gabri.
-Oie .
- Só queria saber o porquê do sumiço... eu ainda moro no mesmo lugar.
- Passei o dia consertando o telhado com meu pai, goteiras ainda são um problema aqui em casa aparentemente.
- Pensei que você tivesse morrido de forma trágica.
- Quanto amor.
- Digo o mesmo.
- Mas então, eu to livre agora, vamos na ponte atirar algumas pedras?
- Minha vó ta aqui, não garanto nada, mas tentarei ao máximo.
- Te vejo em vinte minutos?.
- Até.

Então ela colocou seu pijamas de Girafas azuis, e foi na cozinha encenar um boa noite para sua avó.
Assim que bubbee caiu no conto, ela correu para o quarto, trocou de calças, colocou seu all-star velho, trancou a porta, pegou um casaco e pulou a janela.
Caminhou pouco o um sereno muito úmido começou a cair, e ao fundo da rua 33 se via a velha ponte que ligava sua cidade à praia.
Lá no final da ponte estava ele jogando pedrinhas ao longe do riacho que desembocava na praia. Ela chegou por trás e pulou nas costas de seu amigo, tentando montar nele.
Conversaram por alguns segundos e então Gabri parou quieto com os dedos indicadores em forma de chifres na cabeça e um olhar meio sarcástico.

- Satanás? Perguntou Laila.
- Bela camisa. Respondeu Gabri contento as risadas.
- Já te mandei pro inferno hoje? Deixe minhas girafas em paz. Retrucou ela com as bochechas avermelhadas.

As risadas não foram contidas e logo em seguida os dois se beliscaram, terminando a brincadeira em um longo abraço.

- Vou sentir saudade... Deixou escapar Gabriel.

Laila interrompeu o abraço de forma brusca e o fitou com um olhar que misturava medo e muitas perguntas.
Foi então que ele abriu o jogo:

- Olha Lalli... Eu não sei bem como começar, mas minha família decidiu passar as férias na casa da tia Micha, e eu não tenho a mesma sorte que você de poder escolher e ficar... Eu apenas consinto gostando ou não. Estamos de partida amanhã, mas eu juro que ia te contar!! Eu ia... 
- Contar quando? Quando já tivesse chegado lá? NÃO É JUSTO! Eu não posso passar as férias longe de você, logo agora... Eu não quero!!! Com o rosto lavado de lágrimas Laila esbravejou tão alto que até quem estivesse na beira do mar poderia ter escutado tudo aquilo.
- Mas... Nossa... Calma! São só algumas semanas... Porquê tanto desespero? Indagou ele desconfiado.
- PORQUÊ VOCÊ É MEU MELHOR AMIGO, e eu...
- Você o quê?
- Eu te amo.

Ela deu às costas e não conseguiu conter o choro nervoso, por alguns segundos ela quis se atirar daquela ponte de tanta vergonha e raiva de si mesma por não ter pensado naquelas 4 possibilidades e por ter posto à perder todo o plano que tinha calculado  para contar de forma pacífica tudo aquilo para ele.
Foi quando silenciosamente Gabriel se aproximou, e a sufocou em um abraço quente e longo, ela se sentiu tão protegida e retribuída naquele momento como nunca na vida. 
Eles conversaram sobre aquele dito, e Laila deixou claro que nunca teve como intenção acabar deixando isso acontecer. Ele foi compreensivo, mas também muito sincero, disse que por enquanto não teria como retribuir de forma igual o sentimento que ela tinha por ele, já que o coração dele pertencia à outra.
Eles conversaram por mais um tempo, e por mais que Laila estivesse sossegada com a reação de seu amigo quanto aquela grande revelação, seu coração não estava. Ela esperava um beijo, um "eu também" ou quem sabe apenas o silêncio que permitisse ela ir embora.
Foi quando começou a chover e eles decidiram voltar pra casa, no meio do caminho ela encontrou um pingente, que era uma metade de um coração partido e no qual estava escrito "you".
Guardou com ela o pingente e sabia que quando Gabriel voltasse de viagem ela daria pra ele um igual aquele, mas inteiro. 
Quando dobrou a esquina de sua casa, viu que as luzes continuavam apagadas e um certo alívio bateu, já que não precisaria inventar mil e uma desculpas para bubbee ao chegar.
Entrou pela janela, descalçou os tênis e correu para o livro:

"Eu nem sei o que se passa dentro de mim numa hora dessas.
Como eu queria que aquele abraço durasse pra sempre...
Então no fim das contas a possibilidade número 1 se fez maior.
Fico contente por não termos encerrado a noite de forma dramática e fria.
Não foi o que eu queria ouvir, mas pelo menos ele foi compreensivo...
E talvez o tempo e a saudade façam com que ele me veja com olhos diferentes.
Hoje encontrei um pingente de um pedaço de um coração onde dizia "you", coisa boba mas de forma singular representa exatamente minha situação."

Fechou o livro, pegou o pingente do bolso esquerdo de sua calça, catou uma corrente em um dos porta-joias que tinham na sua estante e o colocou no pescoço. Com um sorriso leve se deitou na cama e desejou que ele também estivesse pensando nela.

continua...



domingo, 22 de julho de 2012

COMEÇO - POSSIBILIDADES PARTE I




"Hoje eu tive medo
De acordar de um sonho lindo
Garantir reter guardar essa esperança
Ando em paraísos descaminhos precipícios [..]
Quando vem á tona todo amor que esta por dentro
Chamo por teu nome em transmissão de pensamento
Longe a tua casa vejo a luz do quarto acesa
Não tem nada que não vaze que segure essa represa."


Toda história, e quando eu digo toda é toda mesmo, têm o seu início-meio-fim na ordem em que as coisas precisam acontecer nenhuma foge desta sequência pragmática e infelizmente quando algumas delas chegam ao seu fim podem causar marcas.
A história que vou contar não é nem um pouco diferente dessa lógica, apesar dela começar com um fim, ela se retêm nessa sequência miserável.

Tudo começa no verão de 2008, onde a nossa garota se encontra em seus 15 anos, era uma tarde quente mas nem tanto, era aquele quente agradável de verão, nada que fosse insuportável.
Ela como de costume estava em seu quarto, escrevendo em seu velho livro, televisão ligada, fones no ouvido e o pensamento longe.. a anos luz de distância.
Já nem sabia mais sobre o que escrevia, as palavras se desenhavam na folha branca automaticamente.
Laila sempre foi uma menina quieta, nunca deu trabalho à seus pais, na escola nunca foi motivo de reclamação, apesar de ser filha única eu teimo em dizer que seus pais não prestaram a atenção devida nela.
Enchiam-a de presentes, todos os dias, mas a razão de tantos presentes assim era para não ter que ouvi-la... se é que vocês me entendem.
Porém ela nunca reclamou sobre isso com eles, ela cresceu calada sem se achar no direito de reclamar algo. Sempre que queria conversar sobre um problema, mínimo que fosse, teria que agendar horário para falar com mamãe e papai juntos.
Sua família não era rica, porém seus pais eram extremamente envolvidos com a sinagoga regional e por isso mal ficavam em casa, uma vez ou outra obrigavam-na a  acompanhá-los, o que pra ela era uma tortura sem fim ter que ficar em um lugar onde pessoas gritam, riam alto, discutem, cantam e tudo ao mesmo tempo.
Ela sempre ficava com dores de cabeça semanais depois de uma reunião dessas. Meninas judias tinham os cabelos cacheadinhos na altura do ombro, usavam vestidos pretos sóbrios até o joelho e já planejavam seus casamentos ao 15 anos de idade. Laila tinha o cabelo liso escorrido com mechas roxas nas mechas de baixo, sempre com um jeans rasgado e fones de ouvido.
Isso decepcionava seus pais, mas eles não se queixavam, ela sempre foi uma boa "calada" filha.
Nesta tarde em que nos situamos no primeiro parágrafo, ela estava sozinha em casa. Esperava uma ligação e de repente o celular tocou.

- Alô?
- Se adivinhar onde estou, ganha um chocolate.
- Já to indo abrir a porta Gabri...
-Nossa! Um pouquinho mais de entusiasmo não seria mal né?

Era Gabriel, seu melhor amigo desde a 5ª série do Ensino Fundamental.
Gabriel tinha a idade de Laila, cabelos cacheados apesar de não ser de família Judia os cachinhos dele chamavam atenção dela e usava um all-star velho e surrado, que estava rabiscado com o nome dela.
Eles mantinham aquela amizade inexplicável que é verdadeira, simples e fiel.
Eu até diria que era uma amizade de irmão, mas não posso.
Os dois andavam sempre juntos, gostavam das mesmas coisas, mesmos filmes, mesmas músicas, mesmos seriados de tv, mesmos livros... eles pareciam ser a mesma pessoa.Todo mundo achava que eram namorados e durante um bom tempo isso perturbou muito Laila, até que um dia ela se acostumou com a ideia.
Então ela, com os pés descalços foi recepcionar seu amigo, que se encontrava com um livro na mão.

- E aí cachinhos dourados.
- Ora ora, veja quem dormiu com os pés destapados hoje...
- Não começa.
- Ah é mesmo, não é hoje, é SEMPRE.

E assim os dois iam, se alfinetando mas sempre rindo das próprias piadas.
Já fazia quase 2 meses que Laila estava a cultivar um sentimento um pouco mais tenso por Gabriel, e isso vinha tirando suas noites de sono.
Porquê?
Se perguntava ela, porque isso tinha que acontecer justo com ela e justo agora, Gabriel se encontrava de coração partido desde que começou a gostar de uma menina mais velha e ela nem bola deu pra ele.
Todos os dias Laila aconselhava seu amigo e o ouvia chorar pela outra menina, isso machucava muito ela mas como dizer isso pra ele... logo agora e assim? 
Desde então, Laila começou a ficar mau-humorada todas às vezes que sabia que ele iria falar dela, ou seja, o tempo todo.
Ela andava rabugenta, e ele nem se prestou a questionar do porquê de tanto mau-humor, mas ela sabia que ele estava muito pior que ela por isso ela não se importava mais em ouvir suas mágoas e enxugar as lágrimas dele.
Afinal, amigo é amigo.
E uma tarde inteira passou quando escureceu ele resolveu ir embora, convidou-a para tomar um sorvete mas ela recusou, pois sabia onde iria chegar aquela conversa e ela não estava muito no clima de "reparadora de sentimentos" no dia de hoje.
Na hora de se despedir, enquanto um rápido e curto abraço se davam, ela queria estar abraçando ele de outro jeito... ela queria estar chamando ele de "meu" e então ela se assustou com tal ideia e com medo de que ele percebesse possessividade demais em seus braços ela logo se afastou e tratou de pensar em outra coisa pra não cultivar isso dentro dela.
Tarde demais, pois foi só ele dar as costas que ela correu toda derretida para seu quarto escrever em seu velho livro pensamentos tão doces, que deixaria diabético qualquer outra pessoa que lesse.


 " Hoje o Gabri veio me ver, passamos uma tarde inteira discutindo sobre o novo livro da J.J. Helmes, é simplesmente demais!
Na realidade não sei o que é mais demais, se é o livro ou a companhia dele...
Cada dia tenho mais certeza de que to gostando dele...
Não poderia ser pior, certo?
Se apaixonar por seu melhor amigo quando ele está apaixonado por outra pessoa. Pelo menos hoje ele não tocou tanto naquele assunto, espero que esteja superando isso.
Seria tão bom se sim.. Tê-lo de coração aberto pra mim.
Porém eu sei que isso não vai acabar bem, eu posso não ter amado alguém ainda, mas sei que quando misturamos amizade e sentimento das duas uma: ou dá certo ou nem a amizade resta.
E este é o meu maior medo... Perder a amizade dele seria algo extremamente desnecessário e doloroso.
Mas eu tenho 4 possibilidades, que podem acontecer quando eu me abrir com ele:

 1. Ele vai aceitar, mas não quer dizer que irá retribuir meu amor, e continuaremos amigos.
 2. Ele vai aceitar, e iremos ver onde isso nos levará.
 3. Ele não vai aceitar, e vai ferrar tudo, porque vai se afastar de mim..
 4. Ainda estou para descobrir esta..

Bem, é isso, tive uma tarde incrível, com uma pessoa incrível! G♥"



E assim ela terminou de escrever em seu velho diário, uma batida bruta na porta e ela sabia que seus pais já estavam de volta em casa.
Decidiu ir dar um pouco de atenção à eles ou pedir um pouco de atenção...
Com as meias um pouco encardidas ela foi pé por pé até a porta da cozinha ver o que sua mãe preparava e quando pensava que poderia passar despercebida por ela sua mãe lhe chamou a atenção por andar de pés descalços.
Ela achava incrível o dom que sua mãe tinha de saber que ela estava presente, mesmo quando ela tentava o máximo não fazer barulho, ela sempre sabia.
Ao voltar ela conversou um pouco com seus pais, arrancou um sorriso de seu pai e isso foi o suficiente pra dar como ganha sua noite.
Retornou ao quarto, à parábola infinita de pensamentos, zapeou alguns canais e adormeceu.

continua...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

FERRUGEM...

"É sempre gosto de ferrugem em dias assim."

 Hoje não parece ser um dia muito bom para nossa querida menina que se encontra em mais um dia de profunda tristeza.

Eram 14:53h de uma tarde vagarosa de quinta-feira, afogada em cobertas ,escondida em sua cama comendo um brigadeiro de colher enquanto o gato miava na volta da cama e a televisão transmitia algum programa de fofoca monótono quando ela se lembrou do seu primeiro dia de trabalho no seu último emprego.
A lembrança veio quando a apresentadora do programa implicou no assunto de amores não correspondidos e nos sacrifícios absurdos feitos quando amamos cegamente, rapidamente Laila lembrou do mês de Dezembro de 2011.

Eram 14:00h quando o telefone de sua casa tocou, ela ainda estava dormindo mas quando ouviu o telefone tocar correu para atender assustada com o barulho que aquela coisa velha fazia quando chamava. Para sua surpresa era sua antiga chefe lhe chamando para trabalhar. 

- "Droga!" Pensou ela.
- "Tudo bem, eu vou comer terminar de almoçar e já vou indo." Respondeu.

Uma grande mentira.
Geladeira vazia, armários que colecionavam teias de aranha. 
A situação era de pobreza mesmo, ela estava pela primeira vez passando fome quando milagrosamente este emprego apareceu.
Entrou no quarto, ele ainda dormia mas ela não quis acordá-lo, deu um beijo em sua testa, afagou seus cabelos negros e saiu pé por pé para não acordá-lo.
Antes de sair pegou um pedaço de papel e escreveu um bilhete:

"Desculpa não estar ao seu lado ao acordar, mas me chamaram para trabalhar. Prometo voltar com o jantar. Eu amo você D."

Deixou o pedaço de papel em cima da mesinha de entrada da sala, entrou na cozinha para beber um copo de água então lembrou-se de colocar uma pitada de sal em baixo da língua para não passar mal mais tarde.
Saiu apressada, para o "novo" trabalho, chegando lá eram tantas informações e instruções que ela já não sabia se sorria ou se chorava.
As horas passaram rápido, o intervalo chegou e ela correu para casa.
Ao chegar no prédio enquanto girava a chave na porta ela sentiu sua consciência pesar ao lembrar que ele também estaria com fome, e o fato de que ela não tinha nada para nenhum dos dois comer fez com que ela quisesse sentar e chorar pela situação em que se encontrava, mas não, ela não podia deixar esta situação prosseguir, ela tinha que agir rápido.
Tirou a chave da porta, pegou o elevador até o quarto andar e bateu no 403.
Lá morava uma amiga antiga de sua avó que praticamente tinha visto ela nascer e acompanhara todo seu crescimento, senhora Dalma. 
Uma senhora muito doce e gentil que insistia em chamar ela de "lazinha".
Ao abrir a porta dona Dalma esboçou um largo sorriso ao vê-la, as duas se abraçaram e conversaram ali na porta mesmo. Logo a gentil senhora percebeu que o olhar apreensivo dela escondia algo.

- "O que houve Lazinha?" Perguntou a velhinha, um pouco aflita.
- "Nada dona Dalma.." Responde Laila, mas antes que dona Dalma pudesse dar réplica em sua pergunta, o rosto de Laila avermelhou-se e as lágrimas logo vieram.
- "Acredito que essas não sejam lágrimas de alegria minha querida." Com um tom de voz piedoso dona Dalma estendeu seus braços novamente e pediu um esclarecimento.

Então Laila foi obrigada a entrar e abrir seu coração para sua doce amiga, a gentil senhora se comoveu com a história e tirou da carteira uma quantia em dinheiro para dar à ela, depois de muita insistência ela aceitou e de lá saiu aliviada, porque pelo menos a fome iria embora.
Faltando menos de 20 minutos para voltar ao trabalho, ela correu ao supermercado, pegou logo as coisas de que precisava. Antes de ir embora passou em uma lojinha de chocolates e comprou um mimo para ele, biscoitos amanteigados de chocolate. Poderia ser bobagem, um gasto desnecessário, mas com certeza isso faria seu amor sorrir e ela iria adorar ver isso acontecer.
Chegando em casa ele se encontrava no computador, a recepção foi fria mas ela sabia que a fome nunca foi motivo de deixar pessoas bem-humoradas, então correu a aprontar algo para comerem, e ao chegar no quarto com o café ela se deparou com um amor não tão alegre, nem feliz e nem receptivo.

- "Oi amor.." Disse ela com a voz um pouco tremendo.
- "Oi." Respondeu ele sem nem ao menos olhar para ela.
- "O que houve?" Perguntou ela com medo da resposta.
- "Vai começar com o mesmo teatrinho? Tu não tá vendo a nossa situação? Olha a bagunça que tá essa casa. Olha a bagunça que tá a minha vida. É sempre "o que eu fiz", porque É SEMPRE TU Laila. Eu não aguento mais isso." Trovejou ele
- "Me desculpa Danilo." Gemeu ela.

Foi em direção à ele para ganhar um beijo ou um abraço, mas obviamente foi rejeitada.
Largou a bandeja com o café em cima da cama e saiu para voltar ao trabalho, no meio do caminho engoliu o choro e as lágrimas. Ao chegar lá foi direto ao banheiro, lavou o rosto e apertou os olhos com força e o choro logo foi embora.
Passou o resto do dia trabalhando e no final do expediente ele foi buscá-la.
No meio do caminho conversaram como se nada tivesse acontecido, nenhuma desculpa foi pedida da parte dele. Ela ainda estava com medo de que ao chegar em casa a briga se estendesse e então resolveu agir como se nada realmente tivesse acontecido.
E essa era a lembrança do seu primeiro dia de trabalho. 

Essa lembrança se tornara dolorosa.
Danilo nunca estava contente com nada.
Fez com que Laila se tornasse uma máquina de pedir desculpas enquanto ele não percebia que a maioria dos erros cometidos por ela eram por falta de atenção ou carinho. 
Ela estava errada em ter deixado a casa bagunçada, ela estava errada em continuar ao lado dele, ela estava errada em não ter ouvido ele.
Ela estava errada. Sempre.
Laila se encolheu na cama, murmurou algumas palavras e o choro logo veio.
A culpa ainda consumia bastante sua sanidade.
Ficou na cama por mais umas horas, até que a noite chegou, então ela resolveu sair para caminhar pelo seu velho bairro, coisa que não fazia à meses..
As ruas continuavam as mesmas, mas os moradores tinham mudado praticamente todos.
Ela sabia que era só olhar para a esquina que veria o apartamento dele, e se caminhasse mais alguns passos poderia ver a janela com a luz acesa e quem sabe ele mesmo, lá, sozinho, e sem ela.

- "Tenho que voltar." Pensou ela.

Laila voltou para casa. Ao chegar, Bartolomeu correu para acarinhar suas pernas e logo ela viu que o pratinho do felino se encontrava vazio. Depois de alimentar Bart, ela correu para pegar seu velho livro e começou a delatar:

 "D.D.B. 20-07 03:07 am: 
 Hoje não foi um dia fácil.
Lembrei de coisas que nem sabia que conseguia lembrar e acabei ficando um pouco relapsa, isso acabou me deixando frágil. 
Nenhuma foto foi rasgada, mas pelo menos eu sei por onde vou começar a contar minha história. 
Hoje eu consegui não passar em frente ao prédio dele, sempre que passo é uma tortura.
Evitar olhar pra cima, evitar chorar, evitar isso, evitar aquilo, evitar.
No momento eu só quero evitar tudo. 
O final de semana está chegando, acho que é nesse que vou começar a escrever minha história. 
Bartolomeu dorme, despreocupado, enrolado nas minhas cobertas. 
Minha boca está seca, meus pés estão formigando. Estou exausta, mais uma vez. 
Hoje não foi um dia bom, e em dias assim, por mais que salive.. é sempre um gosto de ferrugem.

É sempre um gosto ruim nos dias assim."

Então, com as meias escapando de seus pés, ela engatinhou para debaixo das cobertas e com um suspiro pesado decidiu esquecer mais essa lembrança ruim. 


quarta-feira, 18 de julho de 2012

PAJAMAS!




   Diário de bordo, 19 de Julho 2012.

 "São 01:33 da manhã, meus pés continuam gelados.. assim como os meus pensamentos.
Hoje faz 7 meses que eu estou dentro deste buraco, cada vez mais difícil de sair e mais escuro.
Hoje sinto que não sairei da cama, ficarei aqui zapeando canais e rezando para que um raio caia na minha cabeça..
Tá... deleta essa parte do raio.. foi só uma bobagenzinha aleatória.
Rasguei outra foto, ainda não sei porque continuo fazendo isso, mas quando rasgo a foto, rasgo você, então momentaneamente me conforto.
Minha casa continua vazia, acho que nem o Bartolomeu me aguenta mais.. Minha mãe veio me visitar.. Outra vez tive que ouvir ela gritar que isso não é vida, e que preciso de tratamento.
Sabe eu fico pensando..
Porquê se importar tanto? Eu fico quietinha aqui no meu esconderijo, não incomodo ninguém.. Eu quase não boto o pé pra fora da porta, ainda hoje quando fui colocar o lixo na rua encontrei com a minha vizinha do 202 e ouvi ela cochichar com o porteiro: "Ela ainda mora aqui?"
... Hehe... 
Eu quase não existo mais, mas ainda assim minha mãe continua a gritar histericamente para eu "voltar a viver".
Isso soa quase que como uma ameaça, mas, e se eu não quiser?
Tô tão bem assim."

Em uma madrugada fria, enquanto o gato branco, gordo e peludo chamado carinhosamente de Bart dormia enrolado no edredom, Laila congelava os dedos ao escrever em seu velho diário.
Como ela mesmo disse, esta não era uma das melhores noites.. Já são 210 dias de quase total isolamento, o "quase" porque ela ainda se obrigava à estudar, trabalhar e uma vez ou outra socializar em alguma festa com os amigos antigos. Coisa que ela fazia totalmente obrigada, pois sabia que se não o fizesse, teria que aguentar sua mãe berrar igual ao dia de hoje..
Os dias têm se arrastado vagarosamente, como um caracol que atravessa uma longa ponte... e mesmo assim ela vive intensamente dentro de seu apartamento.
Fazia 2 meses que ela tinha trancado sua matrícula na faculdade fazendo com que suas saídas de dentro de seu exílio paradoxal tenha se obtido somente à trabalho.

Intro:

Me chamo Laila, tenho 20 anos.
Sou universitária de um curso em potencial. Em potencial crise e polêmica.
Moro sozinha, quero dizer, nem tanto.. Tenho um gato, gordo e preguiçoso chamado Bartolomeu, apelidado de Bart que sempre se esfrega em meus pés quando seu pratinho de comida encontra-se vazio.
Venho de uma família tradicionalmente, judaica, onde meus pais acreditam que irei achar o amor da minha vida dentro daquela sinagoga geriátrica. 
Em 2008 o conheci. 
Foi tudo muito rápido e intenso mas da minha parte verdadeiro.
E hoje acho que por ter sido tão intenso, acabou de forma intensa e por isso estou aqui, brincando de torturar a alma enquanto tento esquecer todas essas memórias.
Eu nunca julguei ninguém pela forma de amar, mas hoje me condeno e me julgo por ainda sofrer por algo que não existe mais.. e que nunca mais irá existir.
Vou lhes- contar minha história, do início ao fim, o que pode demorar um pouco.
Mas acreditem, me sobra tempo.. paciência talvez não, mas dessa vez eu me esforçarei.
Hoje fez um dia chuvoso e frio, eu acordei tarde, na realidade acordei com a minha mãe derrubando minha porta.
Esqueci que hoje ela viria tomar café comigo e acabei vacilando.. Quando ela chegou o apartamento estava do avesso, eu ainda estava, estou, de pijamas.
Geladeira vazia e uma cara amassada, inchada de tanto chorar.
Motivos os quais ela precisava para iniciar sua guerra fria e seus gritos histéricos.
Minha mãe gritou por uma tarde inteira, e só parou quando eu resolvi fugir para colocar o lixo para fora. 
Nisso ouvi minha vizinha cochichar com o porteiro, espantada por me ver.. foi engraçado. Me senti um fantasma.. acho que na realidade a meses venho lutando para me tornar isso, fantasma de minhas próprias lembranças e história.

Eu costumava odiar dias chuvosos e o frio, mas hoje em dia o que mais me faz feliz é um dia assim.
Com o dia de hoje não vi problema nenhum em ficar enrolada nas cobertas, admirando a barriga do Bart subir e descer enquanto o mesmo desfruta de uma soneca preguiçosa e demorada, de vez em quando ele abre um olho pra se certificar de que eu ainda estou na cama, boceja um grande miado, ronrona para mim e voltava a dormir. Passei uma tarde assim, totalmente desligada de tudo, até mesmo das lembranças que me remoem.
Vejam, minha história não é nenhum caso de "Vaticano" onde eu preciso de toda a misericórdia e atenção papal.
Eu só quero compartilhar com vocês os meus erros.
Acredito que em um futuro, bem distante ainda, vou poder ler minha história nessas folhas que estarão amareladas e rir.
Rir é algo que não faço a muito tempo..
Mas me sinto feliz por estar aqui, inteira o bastante para poder abrir meu coração e confessar todos os meus crimes.
Primeiro preciso admitir, sou limítrofe.
E isso faz com que eu assuma várias identidades, faz com que eu me machuque e faz com que acabe criando e vivendo em uma realidade só minha.
Em tempos de crise é complicado diferenciar o que é real e o que eu quero que seja real.
Me chamo Laila, mas posso ser Lívia, Leandra ou Luana.
Não temo por elas, temo por mim que sou dominada por elas.
Nunca em 20 anos de tratamento me coloquei em risco, desde Dezembro eu corro esse risco, pois decidi parar com os remédios.
Tenho vivido dias intensos, perigosos, cheios de emoção mas ainda assim, tristes.

Eu vou contar tudo."


E assim ela começou a escrever em um outro livro velho, enquanto suas lágrimas molhavam cantos de páginas em branco, o gato adormecido ressonava em cima da cama despreocupadamente com sua dona que cada vez mais afundava em seu querido abismo.
A noite voou, e entre uma xícara de café e outra, ela acabou adormecendo por cima de seu grande livro. Sonhou com o primeiro dia em que conheceu ele e como todos os sonhos que tinha, este também era real.Tão real que quando ela acordou correu para olhar o celular e ver se nas chamadas perdidas, discadas ou recebidas não se encontrava o número dele.
Todas as noites Laila sonhava com ele, e no fim do sonho, choramingava a mesma coisa
"Eu não quero acordar Dani.." e antes mesmo de terminar o nome de seu amado, ela acordava, tensa, corria ao telefone. Em algumas vezes chegou a discar o número dele, outras ele chegou a atender nisso ela desligava e se engasgava nos soluços melancólicos de lágrimas que pulavam de seus olhos.
Essa rotina de sonhos e fraquezas telefonísticas se tornou tão comum, que ela acabou desligando o telefone e o guardando dentro de uma caixa embaixo da cama, e o celular estava sempre com a bateria escondida dentro de uma gaveta.

Ela estava exausta.
Decidiu se juntar a Bartolomeu naquele sono despreocupado.