quinta-feira, 4 de outubro de 2012

HOSPITAL DE FREIRAS P.1

"Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca,
Um processo a correr n'essa comarca,
E que, em dia do grande julgamento,
 Minhas culpas não sejam de maior."


Primeiro dia de aula, seis horas da manhã, o dia acordando, ela estava trancada no banheiro.
Sua mãe estava quase botando à baixo a porta esbravejando e quase espumando pela boca quando seu pai decidiu tomar as rédeas da situação e tentar tirá-la lá de dentro. Poucas palavras e ela já tinha saído do banheiro. Os dois decidiram ir  caminhando em direção a escola, no caminho papai foi a tranquilizando de como essa escola seria tranquila e de como as pessoas iriam lhe fazer bem. Seria a primeira noite fora de casa, aliás, a primeira semana longe de seus pais. Ela estava com o estômago embrulhado, a consciência pesada pois não conseguira se despedir nem de Gabriel e nem de Bruno. Tudo girava, os pensamentos e o peso da culpa a massacrava. Ao chegar na esquina da escola soltou da mão de seu pai e falou:

- "Tudo bem, daqui eu vou."

Se despediu com um beijo trêmulo e marchou diante à sua forca, ela tinha plena consciência de que aquilo era o pior castigo de sua vida. Ao entrar se deparou com meninas uniformizadas e grupinhos formados. Freiras com seus rosários entrelaçados nos dedos de suas mãos passavam o tempo todo de um lado para o outro só para se certificar de que tudo estava bem. A madre superior se encontrava no topo da escada analisando suas meninas, foi quando ela se viu também sendo analisada.
Sentiu vontade de correr mas ao dar um passo para trás ouviu um grande estampido, o que pareceu ser dos portões se fechando, ao olhar para trás viu seu pai acenando com um sorriso doce enquanto segurava seu casaco, passou a mão na cintura e viu que a primeira coisa errada já tinha acontecido, seu casaco tinha abandonado o barco.
Os olhos encheram d'água, ela quis gritar e pedir pra ir embora, mas quis fazer bonito, estufou o peito e deu um passo à frente. Ao fazer isso teve seu nome chamado pela alta inquisidora.

"Menina."
Laila se virou e olhou para uma velha senhora de nariz muito grande e olhos pequenos, ela passava um pouco de medo mas também era muito engraçada.
- "Eu?."
- "Aqui nessa instituição não responderás mais assim, você irá aprender bons modos. E a partir de agora me chame de Irmã. Percebo que é nova na escola portanto me acompanhe para que eu possa lhe mostrar seus aposentos.

Então ela acompanhou aquela rígida senhora por um longo corredor escuro, em cada porta se encontrava um crucifixo de madeira e em cada final de corredor uma imagem de um santo ou santa. É... aquilo realmente dava medo. Meninas corriam para a porta, para poderem analisar a "carne nova", algumas riam baixinho enquanto outras ficavam cochichando umas com as outras. Ao chegarem no final do corredor mais longo ela se deparou com camas lado a lado, nenhuma televisão no quarto apenas janelas grandes e sem cortina. Aquilo mais parecia um sanatório do que uma escola.

- "Aqui é onde você irá dormir, juntamente com outras cinco meninas que também são novas na instituição. Perceba que são 07:15 da manhã, às 8h teremos a recepção no auditório principal para as novas alunas. Seja pontual."

Com isso a freira se retirou do quarto com aquelas vestes longas que varriam o chão. Laila ficou olhando para as janelas do quarto que possuíam grades e pensou o quão difícil seria fugir daquele lugar. Logo em seguida meninas foram chegando no mesmo quarto levadas pela mesma alta inquisidora, e ao completarem seis meninas elas decidiram se conhecer. Laila percebeu que em seu quarto tinham ficado as piores das piores. 

1. Bruna: quieta, aparentemente analítica mas mais burra que uma porta.
2. Sílvia: risonha, enquanto algumas conversavam ela escrevia em uma agenda.
3. Denise: alisava os cabelos enquanto cheirava a ponta deles, não interagiu.
4. Mônica: falante e participativa, chegava a irritar de tanto que queria fazer "novas amigas".
5. Marina: gêmea de Mariana, era a mais que se identificava com Laila pelas roupas e pelo papo mas não sabíamos se as ideias eram as mesmas. 

- "Cadê a sua irmã?" Perguntou a mais falante de todas, Mônica.
- "Ela entrou aqui ano passado, eu não quis vir e meus pais me deixaram um ano repensando a vida." Respondeu Marina.
- "Sorte a sua." Retrucou Sílvia que agora não sorria mais.
- "Vocês acham que seremos melhores amigas?" Perguntou Bruna.
- "É quase que uma obrigação já que passaremos 3 anos juntas não é?" Exclamou Mônica um tanto que agitada.
- "Façam o que quiserem mas não cheguem perto das meninas do terceiro ano e nem do banheiro do último andar." Então pela primeira vez falou Denise.

Então todas olharam para Denise enquanto ela contava a história das meninas que tinham sofrido "boas-vindas" no banheiro do último andar, que todas as meninas do terceiro ano são malvadas quanto ao seus trotes, e que também algumas freiras de lá eram mais malvadas por não se oporem perante os fatos. Não sabia qual partido a alta inquisidora tinha tomado, por enquanto ela se mantinha neutra, o que era um problema ainda maior. Pois enquanto meninas quase morriam lá dentro ela nunca fazia nada. Ao terminar de contar a história o sinal bateu e elas sabiam que a missa de recepção para as novatas tinha começado, todas as meninas se levantaram para ir enquanto Laila ficara sentada na cama digerindo tudo aquilo. Falou para suas novas amigas que iria logo em seguida, tinha que terminar de arrumas suas coisas. Minutos depois da ausência das meninas no quarto, ela se levantou e foi caminhando pelo longo corredor, aquelas imagens e aqueles crucifixos ainda observavam ela e o medo aumentava. Intrigada com toda aquela situação ela parou em frente a escada que dava acesso ao andares superiores, ao colocar o pé no primeiro degrau foi interrompida.

- "Olha só o que temos aqui meninas." 
- "Só pode ser brincadeira." Resmungou Laila.
- " O que você disse?"
- "Me chamo Laila."
- "Nós já sabemos bobinha, nós somos os olhos dessa escola."
Laila se deparou com um grupo de 4 meninas mais velhas, arianas.
- "Sou Glória, e nós somos o grupo de apoio. Você está subindo?"
- "Eu estou perdida."
- "Ótimo! Deixa que nós te levaremos para a grande cerimônia."

Subiram as escadas juntas, Laila sabia que o auditório era no primeiro andar e que estavam indo em direção ao quarto andar.
Nenhuma das meninas mantivera o diálogo começado minutos antes, somente Glória que forçava ser bem gentil e receptiva. Ao chegarem no quarto andar, estava tudo escuro e interditado. Marcas de queimaduras pelas paredes e o chão completamente deformado. Foi então que Laila sabia que estava em encrenca. Quando iam em direção ao corredor final, que dava acesso ao último banheiro, Glória deu um sorriso predatório e Laila sabia que era hora de correr, mas ela ficou como toda menina valente, caminhou junto com o "grupo de apoio" em direção ao maldito banheiro.
Ao chegarem lá, Glória ficou encarando-a por alguns segundos antes de tirar uma tesoura do bolso e ir em direção à Laila, ela se esquivou abruptamente, enquanto Glória tentava lhe acertar com a tesoura Laila conseguia se esquivar de alguns débeis golpes. Glória se descuidou e Laila acertou um soco reto em seu nariz que fez sangue jorrar pelo chão, esbravejava enquanto chamava suas outras três companheiras. As outras meninas seguraram Laila enquanto Glória se aproximou.

- "Então você é do tipo valentona?" Falou Glória enquanto o sangue que escorria de seu nariz pintava parte do seu rosto de vermelho.
- "E esse cabelo roxo, vocês acham que faz parte do uniforme de lésbica enrustida, meninas?"
Então Glória colocou o cabelo de Laila para frente, seu cabelo era comprido com o caimento abaixo da cintura, separou de uma forma como se fosse prendê-lo e antes que Laila pudesse afastar a tesoura que estava mais uma vez perto demais de seu rosto, Glória começou a cortar o seu cabelo.
- "Vamos ver se assim você adquiri um pouco de respeito." Falou Glória enquanto a tesoura engasgava nos cabelos loiros-arroxeados de Laila.
- "Guarda bem essa tesoura, pois vai ser com ela que eu vou rasgar a tua cara." Respondeu Laila em seguida que cuspira na cara de Glória.
- "Valentona mesmo hein? Só quero ver se vai continuar valente quando a noite cair."

Assim Glória e as outras meninas trancaram ela no último banheiro, davam risadas enquanto seus passos se ouviam cada vez mais distantes.
Laila sabia que conseguiria sair dali era questão de tempo até alguém dar falta dela. Se sentou no vaso, tentou puxar o que sobrara de seu cabelo pra frente, sem sucesso pois naquele instante percebeu que ele tinha sido cortado acima dos ombros, não deixou isso a distrair, o cheiro de enxofre era forte. A porta do banheiro era verde e tinha alguns arranhões, foi quando ouviu a porta do banheiro ao lado bater com toda a violência.

"TÊM ALGUÉM AÍ!!? SOCORRO!! EU ESTOU PRESA AQUI" Gritou ela.

Foi quando ao tentar girar a maçaneta da porta, leu escrito no teto.

                                             "bem-vinda ao hospital de freiras."


                                  

Um comentário:

  1. Bacana, Larissa. Primeiramente, meus parabéns. Tu partiu de um romance e quebrou parte do mesmo com um bom suspense sem enfraquecer a história. Apesar de não fazer muito o meu tipo de leitura o romance, eu gostei muito da maneira com que escreves e o que tu põe nas palavras. Continue assim! :D

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